quinta-feira, dezembro 14, 2006

DOR É DOR, PRAZER É PRAZER

A criança corria na calçada e num descuido caiu, machucou a perna e começou a chorar de dor. A mãe ao socorrê-la, imediatamente, começou a falar: Já passou, já passou...e eu pensava: não mãe, não passou.
A criança, meio que sem opção diante da insistência da mãe em dizer que "já passou", ia diminuindo o choro, mas, com certeza, ainda sentindo a dor.
Parecia que a mãe estava mais preocupada em fazer seu filho parar de chorar, talvez, para se sentir mais aliviada, do que ajudá-lo e acompanhá-lo na experiência inevitável da dor. Na hora, me deu vontade de perguntar se ela já tinha ralado a perna daquele jeito para saber como dói e que esta dor não passa assim tão rápido. Mas me contive e fui embora.
Parece que desde pequenos somos ensinados a não encarar a dor. E isso vai seguindo durante a vida até o momento de nossa morte onde, creio eu, não teremos mais como fugir da realidade. Nas diversas dores que experienciamos durante a vida, acabamos tendo a atitude de não encará-las. Arrumamos sempre alguma explicação ou interpretação da realidade da dor para nos confortarmos. Não suportamos nos render ao simples fato. Nosso eu precisa dar um sentido, pois o sentido nos dá a sensação que estamos no controle da situação.
Quando somos crianças e sentimos dor a nossa mãe nos ensina que "já passou", enquanto ainda sentimos dor. Ao crescermos mais um pouco nos esquivamos de nossas dores com outras formas de "já passou". Comemos, fazemos compras, nos embriagamos, fazemos sexo, trabalhamos, viajamos, enfim fazemos qualquer coisa que nos tire da angústia da dor. Procuramos filosofias que nos digam que tudo é um "aprendizado" para não repetirmos aquela situação, que estamos purificando "carma", que da próxima vez vai ser diferente etc...
Mas acho que o único aprendizado que podemos ter com a dor é aprender a ficar com ela sem interpretações, sem esperanças. Desta forma, ao nos abrirmos para a dor, podemos descobrir que ela é real, que a dor dói e que podemos deixá-la desenrolar-se completamente sem estratégias de fuga. Talvez assim, possamos até descobrir a sua irrealidade, sua não solidez, mas não veja esta possibilidade como uma esperança. É como morrer.
Como diz Chogyam Trungpa Rinpoche sobre a morte:
"A morte é a experiência desolada na qual nossos padrões habituais não podem continuar como gostaríamos que continuassem. Nossos padrões habituais param de funcionar. Uma nova força, uma nova energia, nos toma, que é a natureza da morte, ou da descontinuidade. É impossível focar esta descontinuidade de qualquer ângulo. Esta descontinuidade é algo com que você não pode se comunicar, porque você não consegue agradar esta força em particular. Você não pode ser amigo dela, você não pode ludibria-la, não pode convencê-la a qualquer coisa. É extremamente poderosa e sem compromissos.
O fato dela não se comprometer também impede as expectativas para o futuro. Temos nossos planos — projetos de todos os tipos em que gostaríamos de trabalhar. Mesmo se estivéssemos entediados com a vida, nós ainda gostaríamos de sermos capazes de recuperar aquele tédio. Há uma esperança constante de que algo melhor possa surgir das experiências dolorosas da vida, ou que possamos descobrir alguma maneira nova de expandir as situações prazerosas. Mas a sensação de morte é muito poderosa, muito orgânica, muito real."
Chogyam Trungpa, "Crazy Wisdom" – Shambala Publications
Em nossas pequenas mortes cotidianas estamos sempre procurando por uma resposta com nossas crenças e esperanças. Não paramos para pensar que talvez todo este sentido de esperança que queremos dar em nossas experiências seja o único obstáculo que nos impede de tocar a verdadeira natureza de nós mesmos.
Nos sentimos o tempo todo compelidos a dar uma resposta, um próximo passo, a dar a continuidade que Chogyam Trungpa fala. E se não déssemos? O que aconteceria? Talvez caíssemos no agora, no simples e puro agora, sem futuro, sem a busca de soluções. E aí?
Sem soluções qual seria o problema?
Pode ser assustador ver seu filho chorando por ter se ferido, mas creio que é bem melhor acolhê-lo com a realidade da dor do que tentar iludi-lo com a mentira do seu medo da dor. Pode ser assustador ver a vida te arrancar os elementos que traziam tranquilidade, paz e amor para sua existência, mas conseguir relaxar nesta situação pode ser a chave para descobrirmos a pura simplicidade.
Certa vez, ao terminar um retiro, um de meus professores Jigme Tromge Rinpoche recomendou a todos nós: "Tenham uma vida simples".
Refletindo sobre este conselho e conhecendo a vida de Rinpoche que viajava por várias partes do mundo dando ensinamentos, envolvido em vários projetos e vendo que a vida dele não era, aparentemente, nada simples, me perguntava o que era essa simplicidade que ele falou.
Então percebi que este ser simples estava muito mais ligado a uma certa disponibilidade e liberdade para viver o que é o agora, seja ele alegre, dinâmico e agitado ou triste, quieto e morno, do que na busca de realizar alguma visão ideal, tranquila e prazerosa de viver que, na verdade, nos aprisiona e complica mais ainda tudo!
Ou seja, a dor é dor, prazer é prazer e isto é isto... simples.
Como diz Gedun Rinpoche:
"Faça uso desta espaçosidade, desta liberdade e bem-estar natural.

Não procure mais qualquer coisa.
Não vá para a floresta confusa
Procurar pelo grande elefante desperto
Que já está descansando quietamente em casa,
Na frente de sua própria lareira."

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até o final do Blog.
E-mail: alexsaioro@hotmail.com