domingo, outubro 01, 2006

CAMINHANDO COM A DOR


Há alguns anos atrás, ao participar de um retiro de meditação longo e intensivo, me deparei com um dos desafios que todo meditador se depara: a dor física. Era a primeira vez que fazia um retiro tão longo e com tantas horas de meditação sentada. Na primeira semana o desconforto físico era tolerável, mas a partir do décimo dia as coisas começaram a ficar mais “sérias”. Meu joelho estava em frangalhos. Mesmo quando não estava sentado meditando meu joelho doía e aquilo estava me preocupando. Eu pensava: “O que está acontecendo com meu joelho? Será que houve alguma lesão grave?”.
Nas sessões de meditação percebia a presença desses pensamentos. E através dessa percepção atenta vi como que a sensação de que algo estava errado perturbava não só minha mente, mas, também, o meu corpo que respondia à dor como sofrimento.
Com o desenvolvimento da meditação um relaxamento natural trouxe uma certa liberação do sofrimento onde não havia mais a perturbação pela experiência da dor. Havia apenas a dor como um fato natural, como os sons do ambiente, a luz do sol que entrava na sala de meditação, o latido do cão do lado de fora e a respiração. Percebi como que o problema com o sofrimento não era a dor, mas minha reação a ela. Quando minha mente relaxou com relação as minhas suposições sobre a dor e eu apenas fiquei ali com a dor, não havia mais sofrimento. Poderia dizer que a dor não era mais dor, mas uma experiência corporal em movimento onde a percepção das mudanças das sensações a tornavam um elemento de despertar a mente.
Os mestres de meditação sabem que um dos maiores apegos que temos é o conforto físico. E que o lidar com o desconforto e a dor pode ser uma grande prática para irmos além de nossas visões errôneas da realidade.
Quando observamos e não cedemos ao impulso de mudar a situação, podemos investigar a verdadeira natureza daquela sensação e descobrir sua não solidez e impermanência. Podemos ver que tudo está mudando o tempo todo. Se não fazemos isso reafirmamos uma visão parcial e ilusória da realidade.
A SABEDORIA DA COCEIRA
Por exemplo, quando sentimos uma coceira, instantaneamente coçamos sem muita consciência do movimento e de nossa reação. Mas se tivermos a plena atenção para observar a coceira, sem reagir, veremos que ela é constituída de diversas sensações que mudam e por fim desaparecem por si. Mas nós nunca fazemos isso e nossa reação comum é coçar, o que muitas vezes irrita mais ainda o local da coceira e, o pior de tudo, faz com que nos acostumemos a não tolerar o mínimo desconforto. Quando reagimos a um desconforto procurando eliminá-lo, reforçamos nossa intolerância e fragilidade diante dessas sensações. O mesmo podemos dizer com relação as nossas emoções.
Como diz Tara Bennet-Goleman em seu livro “Alquimia Emocional” (ed. Objetiva)“No caso de uma emoção como a raiva, o fato de sustentarmos a atenção pode nos oferecer outro insigth crucial: se conseguirmos permanecer com a raiva por tempo suficiente, nós a veremos transformar-se em algo diferente – dor, tristeza, qualquer outro sentimento – ou até mesmo se dissolver. O que parecia tão sólido se desintegra, é transformado. A chave repousa em permanecermos com a experiência através de todas as mudanças.”
Se conseguimos permanecer na experiência, sem reagir, vemos que aquilo que pensávamos ser alguma coisa sólida e absoluta se desfaz de forma natural e inofensiva na mente espaçosa da plena consciência. Talvez a dor, a doença e a situação não mudem, mas a relação com esses fatos pode mudar. Mesmo que a situação externa não seja curada ou resolvida VOCÊ pode se curar, se resolver e vivenciar os fatos, seja eles quais forem, de forma receptiva, livre e porque não dizer feliz.
É muito mais útil que sua percepção mude e traga mais espaço e liberdade para viver “o que é”. Essa é a verdadeira conquista. Quando reconhecemos que estamos mirando o alvo errado ao lidar com problemas e devotamos todo o nosso tempo e energia na busca de uma conquista e mudança interiores, aí então podemos começar a descobrir o que é paz e felicidade.
ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.
Para saber mais sobre o Programa vá até o final do Blog.
E-mail: alexsaioro@hotmail.com

UM MUNDO SEM CHÃO


Ao olharmos para nós mesmos, veremos que somos um conjunto de coisas que não temos muito controle.
São muitas as variantes que influenciam nossa vida. Há elementos orgânicos, ambientais, psicológicos, espirituais e sabe-se lá mais o que. E o pior de tudo é que somos quase que completamente ignorantes sobre esses elementos e suas interações.
Podemos dizer que vivemos praticamente para conquistarmos cada vez mais controle sobre nossas experiências, de forma que elas nos tragam mais satisfação e menos sofrimento. Pode ser que, por um determinado tempo, sintamos que temos algum controle sobre as coisas, mas, ao final, veremos que não temos. Não temos controle sobre as situações e sobre os outros e em muitos momentos (para não dizer na maioria) não temos controle nem mesmo sobre nossos pensamentos, sentimentos assim como sobre nosso corpo.
Pensamos uma coisa, sentimos outra e nosso corpo reage de uma forma completamente diferente de tudo isso.
Muitas também são as interpretações que temos sobre como as coisas funcionam. Visões médicas, religiosas, filosóficas, psicológicas e esotéricas permeiam tudo que achamos sobre nós mesmos e sobre o mundo e, ao que parece, o que realmente conta para que algo funcione no final é a nossa fé em alguma dessas visões. E como podemos observar mesmo os nossos “objetos” de fé mudam algumas vezes em nossa vida.
Nossa segurança é sempre temporária e frágil diante de nossa ignorância. E nós não gostamos de saber isso.
Mas talvez seja a própria consciência de nossa ignorância que pode trazer uma lucidez maior para nossas vidas. E na maioria das vezes esta consciência é despertada nos momentos difíceis quando algo sai fora do lugar e não se encaixa naquilo em que acreditamos.
Há momentos em que a vida nos surpreende com experiências que nos tiram o chão. Enquanto o chão estava apenas se movendo podíamos dançar com o seu movimento. Havia um certo desconforto, mas ainda havia chão. Mas quando não se tem nem mais chão para dançar, o que podemos fazer?
Creio que quando o sofrimento nos encurrala e não temos mais para onde ir só podemos contar com uma coisa: a compaixão. Não a compaixão dos outros, pois não há como garantir que a teremos e também este não é o caso em que a compaixão dos outros funciona muito bem. O que realmente podemos contar nessas horas é a compaixão que temos para conosco mesmo e para com os outros. Ou seja, a compaixão para com todos que compartilham esta nossa ignorância básica neste mundo sem chão.
É bom esclarecer que o significado de compaixão aqui não se relaciona a um estado de pena que temos dos outros ou de nós mesmos e que reforça mais ainda nossa experiência de isolamento e separação.
A compaixão nasce da compreensão de que nossas experiências não são isoladas e existentes por si mesmas. Percebemos que há uma interdependência entre tudo e todos. E que a idéia de independência é uma ilusão.
Neste sentido, podemos dizer que nossas experiências pessoais são vazias de uma realidade absoluta e compreendemos a natureza relativa de tudo que vivemos. Desta forma, nos vemos inseridos num mundo de comunhão onde nosso eu (com tudo que achamos) já não é a coisa mais importante. Na verdade, ao procurarmos este “eu” vemos que ele se parece mais como um sonho. Este estado, ao mesmo tempo, de vazio e plenitude abranda e aquece nosso coração nos dando a coragem necessária para darmos o próximo passo, mesmo que seja na direção daquilo que nos assusta.
Talvez, bem aí neste ponto, possamos descobrir uma base em que podemos relaxar. Uma base sem chão que ao revelar ao mesmo tempo a mistura de confusão e sabedoria que todos nós somos, nos situa na condição básica de nossa existência humana, capaz de permanecer completamente receptivo ao maravilhoso e assustador momento do agora.
Desta forma, como uma gota que se dilui no oceano, nosso eu pode relaxar nas experiências tanto de prazer como de dor.
Nada é garantido. Continuamos na incerteza, sem chão, a dor nos ronda e pode nos envolver em muitos momentos, mas optamos por ficar. Ficamos pela nossa cura e pela cura de todos que como nós sofrem nesse exato momento. Nossa capacidade de resistência e de transformação do sofrimento se potencializa no amplo ambiente espaçoso da compaixão, onde podemos reconhecer a capacidade de abraçar tudo e todos neste nosso mundo sem chão

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.E-mail: alexsaioro@hotmail.com