quarta-feira, setembro 01, 2010

ONDE ESTÁ O INIMIGO?


Normalmente pensamos que podemos mudar as situações de nossa vida mudando as coisas externas. E realmente as coisas, às vezes, melhoram, mas o problema é quando isso não acontece. Esse é o tipo de situação em que tendemos a ficar estressados, deprimidos e ansiosos achando que a vida está contra nós etc. etc.
Na verdade, mesmo quando mudamos as coisas externamente e conseguimos melhorar a nossa situação podemos, ainda assim, sentir uma certa insatisfação quando vemos que tivemos que tomar certas atitudes e acabamos ferindo ou prejudicando alguém, fizemos algo que não gostamos de fazer ou se vemos que o jeitinho que demos nas situações não será duradouro. No fundo nós sabemos que por mais que se manipule as situações um dia elas vão mudar.
Nem sempre tentar mudar as coisas externas melhora a nossa qualidade de vida e nos traz felicidade. Quantas vezes mudamos de cidade, de emprego, de casamento, de relações sociais e acabamos caindo nos mesmos problemas e insatisfações de sempre?
Muitas vezes (e eu me arrisco a dizer que sempre) o real problema está em nossa mente. Não quero dizer com isso que as coisas externas não possam ou devam ser mudadas ou melhoradas, mas que as melhores mudanças são aquelas que surgem de uma mudança na qualidade da mente. Para fazermos mudanças verdadeiras em nossa vida a mente deve ter uma clareza e liberdade para vivenciar o processo da mudança. Quando temos isso, mesmo que as coisas externas não aconteçam da forma como esperamos, isso já não é o mais importante, pois a mente já mudou. É a transformação do sofrimento em criatividade. E, mesmo que ainda haja dor, não necessariamente haverá sofrimento. Esse estado é extremamente importante quando sabemos que não temos como escapar das situações e teremos que conviver com a dor e também será extremamente útil quando a maior de todas as mudanças de nossa vida acontecer: a morte.
Como mudar essa disposição interior diante do inevitável e da dor?
Geralmente, quando algo nos perturba, um desconforto e um sentimento de ameaça surge nos dizendo que temos que fazer alguma coisa. Procuramos identificar de onde veio o desconforto e a ameaça. Quando o identificamos encontramos o causador do nosso sofrimento, e o tratamos como o nosso inimigo. Este inimigo pode ser um sentimento, um pensamento, uma pessoa, uma doença, uma situação, não importa o que seja: é o inimigo, não gostamos do seu efeito sobre nós e não queremos conviver com ele.
Mas, e se antes de sairmos à caça do inimigo déssemos um passo para trás e o nos perguntássemos: Onde está realmente o inimigo? Haverá um inimigo?
Poderíamos observar meticulosamente toda essa experiência e sem querer reprimir, atacar ou eliminar um suposto inimigo, nós poderíamos procurar nos comunicar com a experiência e sinceramente querer entendê-la.
Na verdade, poderíamos dar dois passos para trás e antes de achar que há algum inimigo, poderíamos nos perguntar: O que é essa perturbação? De onde ela vem, onde ela está e para onde ela vai? Qual a natureza dessa perturbação? De que ela é feita?
Então, neste estado aberto, investigativo, plenamente consciente poderíamos perceber todos os movimentos e nuances daquela perturbação e acompanhar o seu desenrolar e nesse desenrolar ver a sua não solidez e maleabilidade e, então, descobrir uma nova disposição, uma nova disponibilidade interior para lidar com o desconforto e a ameaça que sentimos. Sem antagonismos, mas sim com um profundo interesse e liberdade. E se formos fundo em nossa investigação poderemos constatar a natureza ilusória dessa perturbação como algo composto por diversos elementos que se desfazem ao serem observadas cuidadosamente pelo calor de uma nova inteligência que surge deste processo, como uma escultura de gelo que se derrete sob o calor do sol, como um castelo de areia que se desfaz ao ser tocado. E, então, podemos ver a natureza trabalhável de toda experiência e que tudo pode ser desenvolvido com habilidade. Que a natureza da perturbação, ou seja, “a água” e “a areia”, pode ser trabalhada. Descobrimos a nossa criatividade, onde o “inimigo” se torna um aliado na criação de uma experiência melhor.
Podemos ver exemplos disso em pessoas que passaram por situações traumatizantes, acidentes, doenças graves e acontecimentos extremos que com habilidade ampliaram seu potencial criativo, sua liberdade e seu destemor.
Mas, creio eu, que tudo isso só é possível se você ao invés de se deixar levar pela reação comum da mente de achar que há algum responsável exterior pelo que você vive, você audaciosamente perguntar: Onde está o inimigo? Haverá um inimigo?
E no silêncio da sua indagação você poderá descobrir o significado das palavras do mestre zen budista Shunryu Suzuki:
“Nossa vida e a nossa mente são a mesma coisa. Quando percebemos este fato, não tememos mais a morte nem temos verdadeiras dificuldades em nossa vida”
(Shunryu Suzuki – Mente zen, Mente de princpiante – ed. Palas Atenas)



ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.Para saber mais sobre o Programa vá até o final do Blog ou acesse: http://a-arte-do-estresse.blogspot.com/

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

sexta-feira, agosto 20, 2010

COMO VIVER NESTE MUNDO IRRITANTE?


Atisha, um grande mestre budista indiano, quando foi para o Tibete levou com ele um atendente que era muito desagradável. Estava sempre muito mal disposto, resmungava com tudo e arranjava problemas com todas as pessoas do mosteiro. Além disso, era muito malcriado com o mestre. Indignados com a sua atitude os discípulos imploravam ao mestre que o mandasse embora, que o substituiriam no seu trabalho. Então Atisha respondia:
- E sem ele como é que vou treinar a minha paciência?
A yogue tibetana Machig Labdron recomendava aos seus alunos: “Aproxime-se daquilo que considera repulsivo, ajude aqueles que você acha que não pode ajudar e vá aos lugares que o assustam”. Esta recomendação tinha como objetivo treinar a mente para a liberdade.
Atualmente os discípulos de Atisha e Machig Labdron não precisam ir muito longe para encontrar este campo de treinamento. Nosso mundo hoje está envolto em um sistema de vida bastante irritante e perturbador.
Todos os dias somos bombardeados por situações que nos tiram a tranqüilidade e nos convidam para atitudes explosivas e raivosas ou nos faz perder o ânimo de ver um mundo mais justo, harmonioso e encontrarmos um pouco de paz.
Nos deparamos com estes elementos perturbadores na pessoa que pára o carro na rua e põe o som na maior altura, no vizinho que não respeita o horário de silêncio, nos furadores de fila e nos que não respeitam as leis mínimas para a convivência social. E quando pensamos que podemos encontrar algum sinal de melhoria em nosso sistema político-econômico-social, o que encontramos são políticos e governos corruptos ou insensíveis, empresários gananciosos e incompetentes que não respeitam o consumidor e jornalistas e empresas de comunicação que enganam a população com suas informações distorcidas e manipuladoras. O que vemos é uma luta constante em que cada um tenta levar a sua vantagem.
Com certeza se Atisha e Machig Labdron vivessem em nosso mundo de hoje Atisha não precisaria trazer nenhum atendente pra perturbá-lo e talvez o principal conselho de Machig Labdron para seus alunos seria: peça uma linha telefônica e depois espere a conta.
Mas, como viver neste mundo irritante?
Talvez, há muito tempo atrás (sabe-se lá quando) surgiu na mente de alguém que era possível, um dia, se chegar a algum lugar ou alguma situação em que se tivesse a completa paz e felicidade. E a ideia pegou.
Mas o problema é que cada um que pensou nisso tinha a sua idéia de paz e felicidade. E para piorar a situação, a tal ideia de paz e felicidade também mudava um pouco de tempos em tempos. Então sempre que alguém chegava perto da situação ideal imaginada, ela já não era tão ideal assim.
Até hoje a maioria de nós está nesta busca, mas parece que, de um modo geral, não tem dado muito certo. As pessoas mais felizes e em paz que conheci não tinham uma forma idealizada destes estados. A felicidade e a paz delas não dependiam de condições. Elas tinham encontrado uma liberdade tão grande que se sentiam a vontade em qualquer situação. Não havia mais exigências das coisas serem de um jeito ou de outro. Elas viviam presentes, momento a momento, em contato com a inteligência de cada situação, constantemente. Talvez elas tenham compreendido o que Dilgo Khyentse Rinpoche quis dizer com as seguintes palavras:
“As diversas atividades da vida comum seguem uma depois da outra como ondas no mar. Os ricos nunca acham que têm dinheiro suficiente. Os poderosos nunca acham que têm poder suficiente. Pense nisso: a melhor maneira de satisfazer todos os seus desejos e completar todos os seus projetos é abandoná-los todos.
Um ser realizado vê as preocupações das pessoas comuns como eventos de um sonho, e as observa como um velho homem olhando crianças brincarem. Na noite passada você sonhou, talvez, que era um grande rei, mas quando acordou, o que sobrou? O que você vivencia acordado dificilmente tem mais realidade que isso.
Em vez de perseguir esses sonhos de névoa, deixe sua mente descansar em serena contemplação, livre da agitação mental e da distração, até que a realização da vacuidade se torne parte integral de sua experiência.”

(Dilgo Khyentse Rinpoche, em “The Hundred Verses of Advice”)
Creio que antes de querermos entender o que estas palavras querem dizer, temos que procurar entender por que nos irritamos. Com certeza a irritação surge porque nos sentimos ameaçados e desconfortáveis. Mas o que é realmente este desconforto ou ameaça?
Todos os eventos perturbadores estão relacionados ou ao nosso corpo, ou a nossos pensamentos e sentimentos. E o que é isso tudo? De onde vieram e para onde vão?
Sem este tipo de investigação estaremos aprisionados por nossas fantasiosas ideias e esperanças de paz e felicidade. Estamos tão obcecados em obter e conquistar certas coisas e condições que nem nos passa pela cabeça perguntar como estamos conseguindo isso e o que são realmente estas coisas tão necessárias.
Talvez a nossa pergunta não deva ser como viver neste mundo irritante. Talvez mundo não seja irritante, mas sim a nossa mente. Uma mente onde reina o apego e a aversão é uma mente cheia de elementos irritantes.
O mundo depende do mundo, mas a sua mente depende só de você. E, no final, pode ser que eles sejam a mesma coisa.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.Para saber mais sobre o Programa vá até o final do Blog ou acesse: http://a-arte-do-estresse.blogspot.com/

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

quinta-feira, agosto 19, 2010

MEDITAÇÃO NÃO É RELAXAMENTO


Meditação: o que significa esta palavra?
Se você fizer uma busca na internet, irá encontrar muitos significados para a palavra meditação. E cada significado vai corresponder a uma certa prática meditativa com resultados diferentes, apesar de muitas terem semelhanças em suas instruções.
Quando ouvimos a palavra meditação, precisamos entender que ela é usada de uma forma generalizada para muitos tipos de práticas que nem sempre poderiam ser chamadas de meditação. Muitos chamam de meditação certas práticas de relaxamento, mas meditação não é relaxamento.
Por exemplo, uma prática em que você procura focar a atenção na respiração pode trazer resultados completamente diferentes dependendo da visão de quem ensina esta técnica. Esta técnica pode proporcionar apenas uma forma de relaxar, mas não necessariamente de meditar. Dependendo da visão e da capacidade do professor esta técnica pode, além de relaxar, desenvolver a concentração e, indo mais além, pode ajudar a dissolver reações e condicionamentos emocionais que trazem muitos tipos de sofrimento. E o que define este resultado é a visão do professor. A visão e a capacidade de um professor são tão importantes que esta mesma técnica quando é usada apenas como um relaxamento pode, na verdade, reforçar as reações emocionais que nos causam tensão e estresse.
Muitas vezes o problema começa com a pessoa que quer aprender meditação, pois ela procura a meditação para um alívio imediato de algum tipo de sofrimento. Mas se o professor tiver habilidade, ele pode conduzir a prática para um resultado além. Ao mostrar uma perspectiva maior sobre a natureza do sofrimento, o professor pode ensinar como eliminar as suas reais causas.
A grande maioria das pessoas busca a meditação interessada em relaxar as tensões do cotidiano. Elas não se interessam muito em saber como e porque criam as tensões. Isso exige um pouco mais de trabalho e vontade de lidar com nosso interior; nossas crenças e emoções. Significa lidar com nosso egocentrismo, ou seja, com conflito entre eu e tudo aquilo que vejo que não sou eu. Se uma meditação não tem como perspectiva lidar com este dualismo, ela será apenas um alívio paliativo.
Por isso, é muito importante você, primeiramente, saber que resultado você busca com uma prática de meditação e, assim, escolher um professor que, realmente, oferece o que você está buscando.
Muitos pensam que meditação é apenas um exercício que fazemos sentados num lugar tranqüilo, observando a respiração, recitando algum mantra, fazendo visualizações ou nos concentrando em algum objeto para encontrar paz, parar o pensamento e se desligar as emoções. Mas, na verdade, só isso não ajuda muito, pois não traz uma mudança na nossa mente.
A palavra para meditação em tibetano significa “familiarizar-se com”. Quando pensamos, sentimos, falamos e agimos estamos nos familiarizando e reforçando mais e mais nossas visões das coisas. Desta forma, somos levados por nossas emoções e crenças e meditamos segundo o que elas nos dizem num círculo vicioso sem fim. Nós meditamos o tempo todo, só que de maneira errada.
Quando fazemos um exercício de meditação que nos leva somente a um estado de relaxamento, nós podemos até conseguir este objetivo por um certo tempo, mas vai chegar uma hora em que nós teremos que levantar e lidar com tudo aquilo que nos tira a paz e nos deixa com raiva, ciúme, medo etc. E aí?
Pode ser que o efeito temporário da “meditação” nos faça não reagirmos tão prontamente aos estímulos irritantes do mundo, mas, logo, esse efeito anestesiante passa e voltamos a loucura de sempre. Voltamos a nos envolver com nosso egocentrismo, reforçando as crenças e as emoções com que nos identificamos e que perturbam a paz experimentada. Ou seja, nós não mudamos a mente em nossa suposta meditação, apenas demos alguns minutos de descanso para nossa confusão. Certa vez, ouvi um mestre tibetano dizer que quando fazemos este tipo de prática relaxante, nós também damos um descanso para nossas emoções perturbadoras e depois, quando elas são estimuladas novamente elas voltam com mais força também.
É importante as pessoas interessadas em meditação saber que a meditação autêntica realmente envolve, inicialmente, o desenvolvimento da concentração que traz um relaxamento da mente, mas isso ainda não é meditação. Na meditação, tendo realizado esta capacidade de concentração e relaxamento, começamos a investigar nossas experiências, desconstruir crenças, desafiar nossas reações emocionais e hábitos de percepção que dita o que somos e o que é o mundo. É aí que a meditação começa e sabemos que ela está funcionando quando vemos a diminuição de nosso egocentrismo e o aumento de nossa compaixão. Este é o sinal do progresso numa meditação autêntica.
Iniciado este processo, tomamos as rédeas de nossa mente e podemos permitir que uma sabedoria incomum surja em nossas vidas. Com esta inteligência livre, não reativa e compassiva, podemos lidar com nossas experiências gerando menos sofrimento para nós e para os outros e aumentando nossa capacidade de trazer benefícios.