sexta-feira, agosto 20, 2010

COMO VIVER NESTE MUNDO IRRITANTE?


Atisha, um grande mestre budista indiano, quando foi para o Tibete levou com ele um atendente que era muito desagradável. Estava sempre muito mal disposto, resmungava com tudo e arranjava problemas com todas as pessoas do mosteiro. Além disso, era muito malcriado com o mestre. Indignados com a sua atitude os discípulos imploravam ao mestre que o mandasse embora, que o substituiriam no seu trabalho. Então Atisha respondia:
- E sem ele como é que vou treinar a minha paciência?
A yogue tibetana Machig Labdron recomendava aos seus alunos: “Aproxime-se daquilo que considera repulsivo, ajude aqueles que você acha que não pode ajudar e vá aos lugares que o assustam”. Esta recomendação tinha como objetivo treinar a mente para a liberdade.
Atualmente os discípulos de Atisha e Machig Labdron não precisam ir muito longe para encontrar este campo de treinamento. Nosso mundo hoje está envolto em um sistema de vida bastante irritante e perturbador.
Todos os dias somos bombardeados por situações que nos tiram a tranqüilidade e nos convidam para atitudes explosivas e raivosas ou nos faz perder o ânimo de ver um mundo mais justo, harmonioso e encontrarmos um pouco de paz.
Nos deparamos com estes elementos perturbadores na pessoa que pára o carro na rua e põe o som na maior altura, no vizinho que não respeita o horário de silêncio, nos furadores de fila e nos que não respeitam as leis mínimas para a convivência social. E quando pensamos que podemos encontrar algum sinal de melhoria em nosso sistema político-econômico-social, o que encontramos são políticos e governos corruptos ou insensíveis, empresários gananciosos e incompetentes que não respeitam o consumidor e jornalistas e empresas de comunicação que enganam a população com suas informações distorcidas e manipuladoras. O que vemos é uma luta constante em que cada um tenta levar a sua vantagem.
Com certeza se Atisha e Machig Labdron vivessem em nosso mundo de hoje Atisha não precisaria trazer nenhum atendente pra perturbá-lo e talvez o principal conselho de Machig Labdron para seus alunos seria: peça uma linha telefônica e depois espere a conta.
Mas, como viver neste mundo irritante?
Talvez, há muito tempo atrás (sabe-se lá quando) surgiu na mente de alguém que era possível, um dia, se chegar a algum lugar ou alguma situação em que se tivesse a completa paz e felicidade. E a ideia pegou.
Mas o problema é que cada um que pensou nisso tinha a sua idéia de paz e felicidade. E para piorar a situação, a tal ideia de paz e felicidade também mudava um pouco de tempos em tempos. Então sempre que alguém chegava perto da situação ideal imaginada, ela já não era tão ideal assim.
Até hoje a maioria de nós está nesta busca, mas parece que, de um modo geral, não tem dado muito certo. As pessoas mais felizes e em paz que conheci não tinham uma forma idealizada destes estados. A felicidade e a paz delas não dependiam de condições. Elas tinham encontrado uma liberdade tão grande que se sentiam a vontade em qualquer situação. Não havia mais exigências das coisas serem de um jeito ou de outro. Elas viviam presentes, momento a momento, em contato com a inteligência de cada situação, constantemente. Talvez elas tenham compreendido o que Dilgo Khyentse Rinpoche quis dizer com as seguintes palavras:
“As diversas atividades da vida comum seguem uma depois da outra como ondas no mar. Os ricos nunca acham que têm dinheiro suficiente. Os poderosos nunca acham que têm poder suficiente. Pense nisso: a melhor maneira de satisfazer todos os seus desejos e completar todos os seus projetos é abandoná-los todos.
Um ser realizado vê as preocupações das pessoas comuns como eventos de um sonho, e as observa como um velho homem olhando crianças brincarem. Na noite passada você sonhou, talvez, que era um grande rei, mas quando acordou, o que sobrou? O que você vivencia acordado dificilmente tem mais realidade que isso.
Em vez de perseguir esses sonhos de névoa, deixe sua mente descansar em serena contemplação, livre da agitação mental e da distração, até que a realização da vacuidade se torne parte integral de sua experiência.”

(Dilgo Khyentse Rinpoche, em “The Hundred Verses of Advice”)
Creio que antes de querermos entender o que estas palavras querem dizer, temos que procurar entender por que nos irritamos. Com certeza a irritação surge porque nos sentimos ameaçados e desconfortáveis. Mas o que é realmente este desconforto ou ameaça?
Todos os eventos perturbadores estão relacionados ou ao nosso corpo, ou a nossos pensamentos e sentimentos. E o que é isso tudo? De onde vieram e para onde vão?
Sem este tipo de investigação estaremos aprisionados por nossas fantasiosas ideias e esperanças de paz e felicidade. Estamos tão obcecados em obter e conquistar certas coisas e condições que nem nos passa pela cabeça perguntar como estamos conseguindo isso e o que são realmente estas coisas tão necessárias.
Talvez a nossa pergunta não deva ser como viver neste mundo irritante. Talvez mundo não seja irritante, mas sim a nossa mente. Uma mente onde reina o apego e a aversão é uma mente cheia de elementos irritantes.
O mundo depende do mundo, mas a sua mente depende só de você. E, no final, pode ser que eles sejam a mesma coisa.

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.Para saber mais sobre o Programa vá até o final do Blog ou acesse: http://a-arte-do-estresse.blogspot.com/

E-mail: alexsaioro@hotmail.com

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