domingo, outubro 01, 2006

UM MUNDO SEM CHÃO


Ao olharmos para nós mesmos, veremos que somos um conjunto de coisas que não temos muito controle.
São muitas as variantes que influenciam nossa vida. Há elementos orgânicos, ambientais, psicológicos, espirituais e sabe-se lá mais o que. E o pior de tudo é que somos quase que completamente ignorantes sobre esses elementos e suas interações.
Podemos dizer que vivemos praticamente para conquistarmos cada vez mais controle sobre nossas experiências, de forma que elas nos tragam mais satisfação e menos sofrimento. Pode ser que, por um determinado tempo, sintamos que temos algum controle sobre as coisas, mas, ao final, veremos que não temos. Não temos controle sobre as situações e sobre os outros e em muitos momentos (para não dizer na maioria) não temos controle nem mesmo sobre nossos pensamentos, sentimentos assim como sobre nosso corpo.
Pensamos uma coisa, sentimos outra e nosso corpo reage de uma forma completamente diferente de tudo isso.
Muitas também são as interpretações que temos sobre como as coisas funcionam. Visões médicas, religiosas, filosóficas, psicológicas e esotéricas permeiam tudo que achamos sobre nós mesmos e sobre o mundo e, ao que parece, o que realmente conta para que algo funcione no final é a nossa fé em alguma dessas visões. E como podemos observar mesmo os nossos “objetos” de fé mudam algumas vezes em nossa vida.
Nossa segurança é sempre temporária e frágil diante de nossa ignorância. E nós não gostamos de saber isso.
Mas talvez seja a própria consciência de nossa ignorância que pode trazer uma lucidez maior para nossas vidas. E na maioria das vezes esta consciência é despertada nos momentos difíceis quando algo sai fora do lugar e não se encaixa naquilo em que acreditamos.
Há momentos em que a vida nos surpreende com experiências que nos tiram o chão. Enquanto o chão estava apenas se movendo podíamos dançar com o seu movimento. Havia um certo desconforto, mas ainda havia chão. Mas quando não se tem nem mais chão para dançar, o que podemos fazer?
Creio que quando o sofrimento nos encurrala e não temos mais para onde ir só podemos contar com uma coisa: a compaixão. Não a compaixão dos outros, pois não há como garantir que a teremos e também este não é o caso em que a compaixão dos outros funciona muito bem. O que realmente podemos contar nessas horas é a compaixão que temos para conosco mesmo e para com os outros. Ou seja, a compaixão para com todos que compartilham esta nossa ignorância básica neste mundo sem chão.
É bom esclarecer que o significado de compaixão aqui não se relaciona a um estado de pena que temos dos outros ou de nós mesmos e que reforça mais ainda nossa experiência de isolamento e separação.
A compaixão nasce da compreensão de que nossas experiências não são isoladas e existentes por si mesmas. Percebemos que há uma interdependência entre tudo e todos. E que a idéia de independência é uma ilusão.
Neste sentido, podemos dizer que nossas experiências pessoais são vazias de uma realidade absoluta e compreendemos a natureza relativa de tudo que vivemos. Desta forma, nos vemos inseridos num mundo de comunhão onde nosso eu (com tudo que achamos) já não é a coisa mais importante. Na verdade, ao procurarmos este “eu” vemos que ele se parece mais como um sonho. Este estado, ao mesmo tempo, de vazio e plenitude abranda e aquece nosso coração nos dando a coragem necessária para darmos o próximo passo, mesmo que seja na direção daquilo que nos assusta.
Talvez, bem aí neste ponto, possamos descobrir uma base em que podemos relaxar. Uma base sem chão que ao revelar ao mesmo tempo a mistura de confusão e sabedoria que todos nós somos, nos situa na condição básica de nossa existência humana, capaz de permanecer completamente receptivo ao maravilhoso e assustador momento do agora.
Desta forma, como uma gota que se dilui no oceano, nosso eu pode relaxar nas experiências tanto de prazer como de dor.
Nada é garantido. Continuamos na incerteza, sem chão, a dor nos ronda e pode nos envolver em muitos momentos, mas optamos por ficar. Ficamos pela nossa cura e pela cura de todos que como nós sofrem nesse exato momento. Nossa capacidade de resistência e de transformação do sofrimento se potencializa no amplo ambiente espaçoso da compaixão, onde podemos reconhecer a capacidade de abraçar tudo e todos neste nosso mundo sem chão

ALEXANDRE SAIORO ministra para grupos e empresas o Programa de Redução do Estresse - A Arte do Estresse - baseado em metodologias utilizadas na área de desenvolvimento humano e organizacional e em métodos de meditação e contemplação da tradição budista.E-mail: alexsaioro@hotmail.com

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